Fiz meu rancho na beira do rio
Meu amor foi comigo morar
E na rede nas noites de frio
Meu bem me abraçava pra me agasalhar
Mas agora, meu bem, vou me embora
Vou me embora e nem sei se vou voltar
A saudade nas noites de frio
Em meu peito vazio virá se aninhar
A saudade é dor pungente, morena
A saudade mata a gente, morena
A saudade é dor pungente, morena
A saudade mata a gente.
Em 1948, Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha ou João de Barro, compôs essa toada que amanheci cantarolando com letra trocada: "A tristeza dói na gente".
Texto de Nina Veiga*
Em 1948, Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha ou João de Barro, compôs essa toada que amanheci cantarolando com letra trocada: “A tristeza dói na gente”.
A letra da música diz: “A saudade é dor pungente, morena. A saudade mata a gente, morena”. Fico pensando que essa saudade, às vezes, se manifesta como uma tristeza que dói na gente. Uma tristeza difusa, uma saudade de um não sei quê ou de um futuro, ou, ainda, uma saudade de um si mesmo ausente.
Quem é acostumado com as dinâmicas da vida já deve ter sentido essa dor pungente, pouco localizada, que parece residir no fundo d’alma. Pois hoje acordei assim, doída. Essa dor de letra de toada é motivo de tristeza que embala a alma em um movimento introspectivo e raro, que nos faz ficar em nós. Coisa rara, nestes tempos de culpabilização e consumo exacerbado.
Culpabilização, pois é prática contumaz culpar o externo toda vez que uma tristeza nos assola. E consumo, porque, em tempos de consumo exagerado e produtividade exigida, perder tempo com sentimentos introspectivos é quase um crime contra a máquina sistemática que nos envolve. Daí o excesso de medicamentos, tratamentos e conselhos destinados aos tristonhos.
Mas, enfim, hoje é dia de diminuição da potência de agir, como a tristeza é definida por Spinoza. No entanto, o valor dessa diminuição, ao contrário do referido por Spinoza, é afirmativo de vida boa. Sentir tristeza, na perspectiva de hoje, em mim, é destinar parte do dia à reflexão e ao pensar solitário. É dar chance de olhar o mundo, sem estar agindo nele. Ter uma pequena oportunidade de ver o dentro de si e, ao mesmo tempo, ver o fora de si com perspectiva. Talvez seja essa a grande alegria da tristeza: abrir um espaço para a pausa, para o contato com o mais profundo de cada um.
Assim, parodiando a letra da toada de João de Barro, o Braguinha, digo: “A tristeza dói na gente, morena”. Sim, dói, mas talvez seja essa a grande potência da dor da tristeza: nos colocar novamente em contato conosco mesmo para termos a chance de imobilizados pela dor, podermos olhar para o mundo e para dentro de nós, e repensar nosso modo de existir.
*Nina é escritora, artemanualista e doutora em educação.
Nina Veiga segue a compor mais um livro: "POR UMA ESTÉTICA DA VIDA VIVA". Quem apoia seu canal no Youtube, ou contribui com o Catarse, faz parte de um grupo de leitores que podem acompanhar a edição de pertinho, criticando e sugerindo. Faça parte do grupo de apoiadores:
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