A gente sente medo. Sente medo do futuro, sente medo do imprevisível, sente medo. Mas a gente olha pro medo e tira ele pra dançar, o enfrenta para construir o futuro, para desfrutar o presente... lembrei de tanta coisa linda que fizemos juntos...
Manuela D'Ávila
As eleições haviam passado e eu me sentia só e com muita angústia. Não estava sabendo lidar com o vazio e com a tristeza. Não podia deixar que o ressentimento me dominasse. Queria continuar a viver nas redes, mas não encontrava como. Faltava-me o tom adequado da fala. Se eu postava alguma coisa leve, ou mesmo de trabalho, a divulgação de um curso ou roda, me sentia leviana, envergonhada, se instalava um incômodo que eu não sabia muito explicar. Quando, mostrando indignação, eu postava uma das terríveis notícias que começaram a circular logo após o pleito, me sentia aprisionada pelo ressentimento e isso diminuía ainda mais minha potência de existir. Enfim, fiquei assim, sem saber o que fazer por umas duas semanas, seguindo nas redes, testando discursos, maneiras de estar. Tentava compor uma fala mais afirmativa, porém sem esquecer de que aquele estado de coisas colocava os direitos humanos, civis, sociais em risco.
Nessas experiências em busca de uma discursividade afirmativa, comecei a olhar para o que eu tinha feito durante a campanha. Percebi que, mesmo na ação política eleitoral, meu maior interesse era manter o alinhamento ético, estético e político junto aos valores afirmativos da vida. Eu não podia usar de uma fala que apequenasse a vida. Por isso, todas as peças de campanha que veiculei foram autorais e, quando as produzia, levava em consideração justamente esse alinhamento ético, estético e político existencial. Um alinhamento ativista delicado. Aquele que é "verdadeiramente radical por ser consciente de si próprio, e por compreender que seu modo de enxergar é a mudança que se quer ver" (Kaplan, 2014). Foi essa retrospectiva que me fez ver a necessidade que eu sentia de seguir na ação coletiva como uma ativista delicada e, para isso, eu precisava também cuidar de mim e das relações.
Assim, criei uma fórmula para minhas ações após a campanha:
- no coletivo: engajamento na campanha #LulaLivre;
- no social: ativismo delicado;
- no pessoal: cuidado de si.
Neste meio tempo, um amigo me passou um texto, escrito por sua filha, nos últimos dias da campanha, ele falava sobre a angústia de não saber o que fazer nessa nova configuração social. No final do texto, ela se perguntava: "O que é preciso ter em comum com uma outra mulher para conseguir ter uma escuta empática e estabelecer uma comunicação verdadeira?". Fiquei pensando sobre aquela pergunta. Talvez fosse necessário estudar e pesquisar outros modos de ser e agir, em tempos outros. A vontade de pesquisa me levou a reunir algumas pessoas para estudarmos como seria um ativismo delicado em uma época tão embrutecida. Afinal, o que era possível ser feito? Como conduzir ações de resistência? Como estar no mundo, acordada e atenta, a partir daquele momento e, mesmo assim, manter a saúde integral? Foram as questões que me inquietaram.
Desta inquietação surgiu o Grupo de Estudos Ativismo Delicado. O desdobramento dessa pesquisa é o que publicamos neste site.
é escritora, doutora em educação e ativista pela infância e pelas artes-manuais, tem a casa e seus modos como território de pesquisa.
foto de capa: Lorena Andrade
Foto na postagem: arquivo esquizografias